domingo, 19 de setembro de 2010

CONFISSÃO

Charles Bukoswki

esperando pela morte
como um gato
que vai pular
na cama

sinto muita pena de
minha mulher

ela vai ver este
corpo
rijo e
branco
vai sacudi-lo e
talvez
sacudi-lo de novo:

“Henry!”

e Henry não vai
responder.

não é minha morte que me
preocupa, é minha mulher
deixada sozinha com este monte
de coisa
nenhuma.

no entanto,
eu quero que ela
saiba
que dormir
todas as noites
a seu lado

e mesmo as
discussões mais banais
eram coisas
realmente esplêndidas

e as palavras
difíceis
que sempre tive medo de
dizer
podem agora
ser ditas:

eu
te amo.

domingo, 9 de maio de 2010


SEM FÉ, SEM LEI, SEM REI

“A língua deste gentio toda pela costa é uma: carece de três letras – scilicet, não se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente” (GANDAVO, 1980)

De acordo com os relatos dos cronistas, os antigos tupis guaranis não tinham qualquer superstição. Tanto os jesuítas como os viajantes e o próprio Jean de Léry, a quem não podemos acusar de etnocentrismo, afirmavam que os índios tinham apenas uma “vaga noção do sagrado”, não encontrando neles qualquer vestígio de prática religiosa. Alguns até os reputavam por ateus.
Entretanto, gostaríamos de salientar os dois relatos: o de Thevet, que apesar de irônico, foi o único a narrar uma parte da mitologia dos Tupinambá; e o de Hans Staden que via no culto dos maracás a expressão da religiosidade dos tupis. Os índios não mostravam nenhum tipo de representação de sua fé: mitos, rezas, ritos, objetos de culto, figuras; e isso os levou a afirmarem que os índios não teriam religião. O que ocorria é que a prática religiosa dos índios era completamente desconhecida para eles.
Os tupis-guaranis acreditavam em São Tomé que lhes dera o conhecimento e o uso do fogo e o de plantar as raízes; a maior parte das tribos tupis e guaranis tinha conhecimento do dilúvio e de um incêndio; Tupã figurava a destruição e Monan, o criador – mesmo que não tivessem o significado divino que o europeu dava aos seus deuses, era Tupã quem comandava a religião dos guaranis; e buscavam a Terra sem Mal, um lugar privilegiado, indestrutível, em que a terra produz por si mesma os seus frutos e não há morte (CLATRES, 1978).
Podemos, então, observar que os Tupinambá, assim como as outras tribos indígenas, não eram gente sem fé, como os cronistas queriam fazer crer. O que lhes era difícil aceitar devia-se à etnocentricidade com que eles viam suas práticas religiosas.
“A catequese do calvinista se chocaria, contudo, com o motejo, com a cabal recusa indígena ao esvaziamento de seu universo religioso – se o Deus dos cristãos precisava intimidá-los, não valia nada” (MENDONÇA, p.107). Refutamos, desta forma, o argumento de que isso seria um “messianismo” produzido em resposta à colonização a que os aborígenes foram obrigados a se submeter. Precisamos tentar compreender a expressão religiosa dos indígenas dentro do contexto em que estavam inseridos.
Hoje precisamos estabelecer ou promover uma perspectiva interacional como um processo de relação, de articulação, de negociação onde brancos e índios possam reelaborar seu modo de pensar e sentir, construir e manejar suas identidades. Novas formas de relacionamento precisam ser tecidas, feitas e refeitas à medida que novos desafios surjam e novos papéis sociais o exijam. Não precisamos mais obrigá-los a macaquearem nossos hábitos, nossos costumes, nossa fé. Se somos seguidores do Cristo que embasou o cristianismo, precisamos mostrar amor, respeito e consideração pelos nossos semelhantes, sejam ele, brancos, negros, índios. Que seja a coerência que permeie as nossas atitudes: “ Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt. 7.17) . E ratificando, o apóstolo Paulo, acrescenta nas Escrituras Sagradas, “Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo.” (Fp. 2.3) .



BIBLIOGRAFIA


CLASTRES, Helène. Terra sem Mal. São Paulo: Brasiliense, 1978

GANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil; História da província de Santa cruz. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1980.


MENDONÇA, Wilma Martins de. Memórias do Cárcere: cativeiro manifesto, cativeiro simulado. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 1993.

BÍBLIA SAGRADA, Edição revista e atualizada. São Paulo: Mundo Cristão, 2003.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Antropofagia, uma alegoria


JEAN DE LÉRY

Foi através de Calvino que Jean de Léry tornou-se membro da companhia que zarparia para o Brasil. O sapateiro estudara Teologia em Genebra e desejoso de contribuir a glória de Deus, assim como “pela curiosidade de ver esse novo mundo”, juntou-se à comitiva. Mesmo tendo sido Villegagnon o primeiro contato de Calvino, Léry já o conhecera na Suíça, de quem era seguidor. Em 1577, após a leitura da obra La Cosmographie universelle, de André Thevet, convence-se da necessidade de publicar o seu texto corrigindo o relato da missão huguenote no Brasil.
No início do século XX, Dr. Max Weber, professor de politocologia da Universidade de Heidelberg, “defendeu a tese de que especialmente a ética calvinista havia dado origem ao espírito capitalista, desde que enfatizava que o homem recebera de Deus a ordem de trabalhar bem e ser sóbrio” (SCHALKIJK, 2004). Segundo o professor, tal preceito levaria ao acúmulo de bens materiais, pois isso seria a prova incontestável da bênção de Deus sobre os eleitos. Porém, não apenas o próprio Weber, outros estudiosos provaram que o capitalismo já existia antes do século XVI, “sendo este usado na elaboração do estopim da própria reforma, o que foi representado pela venda de indulgências, que feria, inclusive, as economias locais”.

A Nova Terra, seus Nativos e Costumes

Jean de Léry descreve com detalhes a riqueza da fauna e da flora brasileiras, bem como os nativos, a quem chama de selvagens, suas características físicas, seus costumes e ritos. Essas anotações foram registradas em seu livro e são consideradas a fonte mais segura da descrição do Brasil Colonial. O sapateiro viveu entre os índios por quase um ano e, em muitos aspectos, ele os julgava superiores ao europeu.

“... não têm corpo monstruoso nem desmedido em comparação conosco, são porém mais fortes, mais robustos, mais fornidos, mais bem dispostos e menos sujeitos a moléstias... mas também o pouco cuidado e nenhum desvelo que têm pelas cousas deste mundo... a desconfiança e a avareza que daí procede, como os processos e intrigas, com a inveja e ambição, nada de tudo isso os inquieta, e menos os domina e apaixona...” (LÉRY, P. 31)

Jean de Léry identificou-se com os Tupinambá , e julgava-os apaixonadamente.
“Amigos leais, francos, desprovidos dos traços de deslealdade, dissimulação, inveja, intriga e ambição, os Tupinambá apresentam-se em Léry aureolados pela positividade” (MENDONÇA, p.92); diferentemente de André Thevet que os considerava “desleais por excelência” e também “o povo mais cruel e desumano de toda a América, que come normalmente carne humana como nós comeríamos carneiros (LESTRINGANT, p.73)”.

Canibalismo x Eucaristia

O reformado não recriminou os costumes indígenas que eram repulsivos para o europeu e nem os condenou por serem diferentes e até lamenta “não ter ficado entre os selvagens” (LÉRY, 1980, 251). Ele assistiu guerras cruéis e até o canibalismo, porém, “o calvinista francês vê na diversidade ou divergência entre o meio natural americano e o europeu, o testemunho da inequívoca presença viva de Deus” (MENDONÇA, p.92). Percebemos uma visão crítica do etnocentrismo europeu e embora seja a Europa ainda a referência, ele acentua a franqueza dos Tupinambá, “qualidade escassa em muitos dos seus patrícios, apesar de cristãos”.
O canibalismo foi motivo de muitas dissensões entre os cristãos da época, especialmente entre católicas e protestantes. O calvinista utilizava a Eucaristia Católica como contra-argumento para o ritual dos índios, no qual ele não via nenhuma anormalidade, mesmo não o praticando.

“... um protestante como Jean de Léry dará um testemunho polemicamente audacioso. Por assimilação, o canibalismo real dos tupinambás lhe servirá para fazer desacreditar o dogma papista da transubstanciação, pois os católicos não comem apenas o homem, quando podem – e as guerras de religião forneciam vários exemplos. Eles comem Deus durante o sacrifício da missa” LESTRINGRANT, 1997)

Os calvinistas defendiam que Jesus Cristo havia falado metaforicamente quando pregou no cenáculo, “o sangue não é mais sangue, mas um signo; a carne não é mais carne, mas uma mentonímia da carne” (LESTRINGANT, 1997, 18). Segundo o ensinamento de Paulo na sua carta aos Coríntios, a cerimônia da Ceia do Senhor é um ato simbólico. Através dessa sagração, os cristãos confessam seus pecados, recebem o perdão e participam da ceia como uma declaração de que Ele, o Senhor Jesus, virá outra vez buscar a sua Igreja.

“Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós, fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança o meu sangue; fazei isto todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.” (1 CORÍNTIOS 11.23-26)

Léry e os demais calvinistas não poderiam aceitar, então, que os elementos pão e vinho deveriam ser considerados literalmente a carne e o sangue de Jesus Cristo. Tal assunto gerara bastante controvérsia entre Léry e Villegagnon.

“Villegagnon, cavaleiro de Malta e chefe da expedição, atacava os calvinistas, que fizera, contudo , vir de Genebra, defendendo a presença real e corpórea do Cristo no pão e no vinho da ceia.” (LESTRINGRANT, 1997:108)

Logo, Villegagnon e os católicos estariam cometendo um ato de canibalismo quando comiam a carne e o sangue de Jesus. Como, então, poderiam condenar os Tupinambá pelo seu rito? Seria um contra-senso. Segundo Lestringant, a discussão sobre a Eucaristia ocupa um lugar de destaque na obra de Léry. O seu livro foi capaz de acalmar os ânimos na época, pois ele bem sabia que aquela era uma questão ligada ao etnocentrismo europeu, sobretudo francês.
Montaigne tem a experiência do Brasil através de testemunhos e de objetos. Ele escreveu um capítulo no seu “Ensaios” intitulado Dos Canibais. Este é o melhor exemplo de declamação em Montaigne, “uma apologia dos antropófagos livres do Brasil, nos quais revivem a idade de ouro dos antigos e a república ideal sonhada por Platão e Plutarco” (LESTRINGANT, 1997). Foram as informações colhidas da obra de Léry, de Thevét que Montaigne, utilizaria para compor seu capítulo sobre os Canibais. Também leu as profecias de Las Casas e ouviu os testemunhos de um de seus criados com quem conviveu 10 ou 12 anos. Não considerava os índios bárbaros ou selvagens.

“não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos; e, na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra. E é natural, porque só podemos julgar da verdade e da razão de ser das coisas pelo exemplo e pela idéia dos usos e costumes do país em que vivemos.” (MONTAIGNE, 1987:259)

Assim, o canibalismo torna-se objeto de estudo, tema de reflexão e de escritura (LESTRINGANT, 148). Diferente do que se costumava acreditar, os Tupinambá não comiam os seus inimigos para se alimentar, mas sim pra representar uma “extrema vingança”. Montaigne termina aquilo que Léry iniciou: reabilitando a antropofagia, o canibalismo no Brasil já não causa horror, mas torna-se um discurso, uma alegoria.

BIBLIOGRAFIA

CLASTRES, Helène. Terra sem Mal São Paulo: Brasiliense, 1978

D.H., MERLE, D´Aubigne. História da reforma do décimo-sexto século – vol. IV, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, s/d, 115.

FERNANDEZ & WILSON, Felipe e Armesto Derek. Reforma, o cristianismo e o mundo 1500-2000. Rio de Janeiro: Record, 1997.

GANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil; História da província de Santa cruz. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1980.

LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. Tradução Sérgio Milliet. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980.

LESTRINGANT, Frank. O Canibal. Brasília: Editora UNP, 1997

MENDONÇA, Wilma Martins de. Memórias do Cárcere: cativeiro manifesto, cativeiro simulado. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 1993.

MONTAIGNE, Michel Eyquem de, Ensaios. Brasília: Universidade de Brasília, p.259, 1987

REID, Stanford. A Propagação do calvinismo no século XVI In.: Stanford W. Reid, (ed), op. Cit., 35-59

ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da Loucura. Ed. Sapienz. pp. 94-95

SCHALKIJK, Frans Leonard. Igreja e Estado no Brasil Holandês. São Paulo: Cultura Cristã, 2004

sábado, 17 de abril de 2010

Estilhaços


São pedaços de mim
às vezes tão coloridos
momentos fugidios
ligeiros
felizes...
ou brancos
cinzas
pretos...
sempre
sempre
sempre
A vida reverbera
nos estilhaços...