domingo, 9 de maio de 2010


SEM FÉ, SEM LEI, SEM REI

“A língua deste gentio toda pela costa é uma: carece de três letras – scilicet, não se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente” (GANDAVO, 1980)

De acordo com os relatos dos cronistas, os antigos tupis guaranis não tinham qualquer superstição. Tanto os jesuítas como os viajantes e o próprio Jean de Léry, a quem não podemos acusar de etnocentrismo, afirmavam que os índios tinham apenas uma “vaga noção do sagrado”, não encontrando neles qualquer vestígio de prática religiosa. Alguns até os reputavam por ateus.
Entretanto, gostaríamos de salientar os dois relatos: o de Thevet, que apesar de irônico, foi o único a narrar uma parte da mitologia dos Tupinambá; e o de Hans Staden que via no culto dos maracás a expressão da religiosidade dos tupis. Os índios não mostravam nenhum tipo de representação de sua fé: mitos, rezas, ritos, objetos de culto, figuras; e isso os levou a afirmarem que os índios não teriam religião. O que ocorria é que a prática religiosa dos índios era completamente desconhecida para eles.
Os tupis-guaranis acreditavam em São Tomé que lhes dera o conhecimento e o uso do fogo e o de plantar as raízes; a maior parte das tribos tupis e guaranis tinha conhecimento do dilúvio e de um incêndio; Tupã figurava a destruição e Monan, o criador – mesmo que não tivessem o significado divino que o europeu dava aos seus deuses, era Tupã quem comandava a religião dos guaranis; e buscavam a Terra sem Mal, um lugar privilegiado, indestrutível, em que a terra produz por si mesma os seus frutos e não há morte (CLATRES, 1978).
Podemos, então, observar que os Tupinambá, assim como as outras tribos indígenas, não eram gente sem fé, como os cronistas queriam fazer crer. O que lhes era difícil aceitar devia-se à etnocentricidade com que eles viam suas práticas religiosas.
“A catequese do calvinista se chocaria, contudo, com o motejo, com a cabal recusa indígena ao esvaziamento de seu universo religioso – se o Deus dos cristãos precisava intimidá-los, não valia nada” (MENDONÇA, p.107). Refutamos, desta forma, o argumento de que isso seria um “messianismo” produzido em resposta à colonização a que os aborígenes foram obrigados a se submeter. Precisamos tentar compreender a expressão religiosa dos indígenas dentro do contexto em que estavam inseridos.
Hoje precisamos estabelecer ou promover uma perspectiva interacional como um processo de relação, de articulação, de negociação onde brancos e índios possam reelaborar seu modo de pensar e sentir, construir e manejar suas identidades. Novas formas de relacionamento precisam ser tecidas, feitas e refeitas à medida que novos desafios surjam e novos papéis sociais o exijam. Não precisamos mais obrigá-los a macaquearem nossos hábitos, nossos costumes, nossa fé. Se somos seguidores do Cristo que embasou o cristianismo, precisamos mostrar amor, respeito e consideração pelos nossos semelhantes, sejam ele, brancos, negros, índios. Que seja a coerência que permeie as nossas atitudes: “ Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt. 7.17) . E ratificando, o apóstolo Paulo, acrescenta nas Escrituras Sagradas, “Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo.” (Fp. 2.3) .



BIBLIOGRAFIA


CLASTRES, Helène. Terra sem Mal. São Paulo: Brasiliense, 1978

GANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil; História da província de Santa cruz. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1980.


MENDONÇA, Wilma Martins de. Memórias do Cárcere: cativeiro manifesto, cativeiro simulado. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 1993.

BÍBLIA SAGRADA, Edição revista e atualizada. São Paulo: Mundo Cristão, 2003.

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